Por Hugo Sales
Segue abaixo o
manifesto de um novo movimento. Um movimento que não tem nada de importante.
Apenas é inútil, pois não manifesta nada, caro leitor. Está fundado o Fartismo.
Peço que esse manifesto seja impresso em forma de panfleto para ser entregue na
Avenida Brasil, na Rua do Comércio e principalmente, nas vielas solitárias da
minha solidão, vielas as quais eu caminho, caminho, caminho e não chego a canto
algum. E disso eu estou farto. Peço também que esse manifesto
seja feito em
forma de outdoor e de folder, que apesar de serem
os termos citados provenientes da língua inglesa, tornaram-se meus conhecidos
no curso de Língua Portuguesa. Peço também encarecidamente: quem vier a achar
algum desses panfletos jogados nas ruas a poluir, rasgue-o. Não leia.
Fartismo sim. Uma cópia barata (bem barata) e desavergonhada do Desvairismo?
Quem me dera. Eu sou apenas um pequeno mortal perto de Andrade. Lá, ele
desvaira, enlouquece, quebra as regras; aqui, eu me canso, eu lamento, eu me
abato diante de tudo que me extenua.
Eu estou farto dos
dias de sol que insiste em sair no leste dando a impressão de que tudo de bom
vai acontecer, mas, a única coisa que ocorre é o calor copioso e infindado
nesses dias que se morrem logo, ao poente. Eu estou cansado, meu amigo leitor,
da esperança que vive, do verde da perseverança, do vermelho da luta. E mais
ainda do azul que colore o céu e os prédios deste inferno. Eu só não me canso
do preto e do branco. Eu estou cansadíssimo, caro, das moças que insistem em
caprichar no desprezo. Dessas, eu estou cansado. Estou cansado das Luanas,
Patrícias, Tainaras, Kellys, Anas, Elens e das Franciscas. Estou cansado deste
sentimento agridoce de amar e sentir-se um só (e não dois, como deveria ser).
Estou cansado desse sentimento que deixa mal, mas, outra hora, liberta.
A tevê me farta com
sua programação inútil, com suas novelas despudoradas e obcenas que insistem em
se firmar em horários familiares. Eu odeio a novela das seis, das sete, das
nove. Odeio a novela jovem da maior rede de televisão brasileira e a forma como
ela exibe um falso perfil da juventude. Eu estou cansado das malhações nas
minhas tardes. Só não odeio a novela das oito, porque esta... Esta é real.
Saibam todos que eu estou farto também do rádio, seja lá AM e FM, dos programas
infindáveis que insistem em nos dar notícias ruins e tocar músicas ridículas.
Farto dos livros na
estante. Farto de poesia que me faz acreditar em amor. Saia de perto de mim,
Lispector e Espanca. Saia Afastem-se António, Vinicius e Carlos. Eu não quero
saber de amor. Eu quero saber do sangue... Do escarro de Augusto e do choro
João (fiquei sabendo que o amor comeu-lho até o silêncio). Cansei também dos
estudos. Eu estou farto da Literatura, da Linguística, da Semântica, Semiótica,
Fonética e Fonologia. Enfastiado eu estou da Análise do Discurso, da Sintaxe,
da Morfologia e dos Fundamentos da Educação. E, por favor, não me falem da Pragmática
ou eu vou explodir.
Eu estou farto até
do que eu julgava amar. Eu estou farto do rock n’ roll’, do country
n’ western, do rhythm and blues. Acho que Edgar estava certo.
Eu deveria mesmo buscar respostas as minhas perguntas, mas... Primeiro eu tenho
que falar do meu cansaço. Eu estou farto do rap, do reggae, do techno, do
trance. Eu só não estou cansado da bossa. E eu não entendi porque a bossa não
me cansou ainda. Um dia a bossa me mata... Caros amigos eu estou cansado também
da viola, do violoncelo e do violino. Cansado do violão, da viola caipira e da
guitarra. Isso só pra citar os instrumentos de cordas. Eu estou cansado da
flauta, da trompa e do flautin. Eu quero morrer quando eu ouço o som de um
trompete. E eu estou farto, meus amigos, fartíssimo principalmente do baixo
elétrico. Aquele maldito baixo elétrico vermelho que emite as boas novas que
meu coração não quer saber, mas, que ele, baixo elétrico teimoso que é, insiste
em emitir. Eu ainda não me fartei do trombone de vara. Tão imponente. E esquecido...
Como também sou eu (esquecido, e nunca imponente).
Eu estou afadigado,
caro leitor. Estou afadigado da cidade de Altamira, a cidade do grande
empreendimento. Estou cansado do caos, da desordem, do descuido e do descaso.
Estou cansado dos imbecis que atropelam pessoas todos os dias, seja de Camaro
ou de GM. Estou farto também do calor do asfalto altamirense, das filas de
banco, das filas de mendigo, dos filhos da puta que deveriam zelar pela cidade.
Estou cansado dos fumadores de maconha e dos cheiradores de pó do cais novo e
principalmente, estou cansado de ver a morte andando ao meu lado como um
fantasma que insiste em me abraçar. E eu, farto, porém fugaz, corro. No
entanto, eu não estou farto de Brasil Novo, a cidade interiorana, e da sua
pracinha humilde. E nem da poeira do campo de aviação que divide o Centro do
eixão e suja a varanda de casa.
Eu já disse uma vez
em rodas de amigos ao bebericar cerveja e acolher com apetite aos aperitivos:
não sou futurista. Andrade também não o era. Mas, afirmo-lhos: não sou
modernista, não sou arcadista e nem neoclassicista. Não sou realista,
naturalista e nem romantista. Não sou comunista e nem capitalista. Não sou
atualista, não sou diarista e com toda certeza não sou fascista. Talvez eu seja
um farsista. Talvez um artista. E com certeza um fartista. Farto de tudo isso.
Farto inclusive, do lirismo, que Andrade exaltava.
***
Este
trabalho integra a antologia Contemporâneos 2018 que será lançada pela
Taba Cultural Editora entre dezembro/2017 e janeiro/2018.
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