por Lauro Trevisan
O homem entrou no consultório.
- Então, doutor, qual é o diagnóstico?
- Um
dia de vida
– respondeu o
cirurgião, mecanicamente, como se estivesse dando receita culinária.
O homem arregalou os olhos e quase desabou.
- Exagero, doutor! - inconformou-se ele. – Que é
que eu faço com um dia de vida, me
diga?!
- Faça o que
quiser. Talvez um miojo. Não tenho
como mudar o veredicto.
- O senhor endoideceu?! Como
pode falar uma coisa dessas?! Está dizendo que amanhã,
às dezoito horas, estarei vestindo paletó de madeira?! Pare com essa
brincadeira de mau gosto. Se vivi até aqui, com certeza viverei ainda por
muitos anos, muitos anos, ouviu bem?
- Se eu fosse você
- ponderou pausadamente
o médico, degustando um charuto cubano -
mediria a vida não em anos, mas em minutos.
- Doutor, o senhor já está me
irritando. Que humor mais macabro!
O médico tomou os exames, abriu-os sobre a mesa e
apontou com o indicador para uma mancha bem pronunciada, naquele
mapa humano.
- Aqui.
- Aqui o quê? – inquietou-se o homem.
- A bomba que
vai explodir dentro
de vinte e quatro horas.
O
paciente coçou nervosamente a
cabeça e vociferou:
- Não tem outra coisa para me dizer?
- Tenho: Meus pêsames! –
arrematou suavemente o cirurgião.
O homem saiu do consultório com forte enjoo, que
subia e descia desatinadamente pelas paredes do estômago.
Sentou num banco do shopping para tomar ar e refletir sobre a vida: “Um
dia. Apenas um dia. Nada mais que um dia. Logo comigo! Não podia ser com outra
pessoa? Um bandido inútil? Um suicida? Pelo menos, um velhinho de cem anos de
idade?! Por que eu?! E não é um ano. Nem mesmo um mês. Nem uma semaninha
sequer! Um dia! Vinte e quatro horas! Se desse para transferir esse dia lá para o final do ano 2.020, ainda vá. Mas,
amanhã?! Às dezoito horas?! Em ponto ou mais ou menos? Eu, debaixo da terra?!
Sem respirar?! Sem poder me mexer?! Não é possível! Tanto esforço na vida,
tantas dificuldades, tantos anos sem férias, tantas brigas e separações, tanta
luta para arrumar aquele dinheirinho da aposentadoria... e agora?! Faço o quê
com tudo isso? Enfio onde?”
Aos poucos, o condenado foi acalmando a mente e, ao
invés de afligir-se com o passado, entrou a indagar-se o que fazer com essas
vinte e quatro horas, que já não eram mais vinte e quatro.
- O tempo, esse filho da mãe, por que não para? Se
resolvesse, daria uma martelada nesses ponteiros esquizofrênicos – irritou-se ele.
A primeira ideia que lhe ocorreu foi voar até seu
escritório a fim de organizar as compras e pagamentos do dia. De repente, caiu
em si e explodiu uma aturdida gargalhada nervosa. Sim, de que serviria ficar
metido na papelada do escritório ou ir discutir com o vizinho a localização do
muro, justo agora que só dispunha de algumas horas de vida? Fazer o quê?
Olhou para o fatídico relógio e pensou num jantar de primeira linha, com os pratos
que sempre deixou para quando fosse mais rico, com aquele vinho de emocionar o
estômago. Nem a sobremesa pouparia e tinha de ser exatamente aquela que lhe
dava água na boca, mas que, por economia, renunciava. Em seguida, uma dança,
claro, como prelibação do prazer. Mas, dançar com quem? E o prazer, com quem?
Com a mulher dos seus sonhos, ora! E lhe diria tudo o que teve vontade de lhe
dizer e não disse; e lhe pediria mil desculpas por não ter sido exatamente como
deveria; e a abraçaria por todas as vezes que não a abraçou.
E o resto do tempo? Bem, o resto do tempo era
tratar de ser feliz e feliz e feliz e feliz.
Então, uma reza para partir em paz com Deus e o
mundo. Pois, foi exatamente antes do amém definitivo, que aconteceu o
inusitado:
- Está bem
– manifestou-se Deus - vou revogar a sentença e desligar a bomba.
Mas, não precisa esperar pelas últimas vinte e quatro horas para ser feliz e
feliz e feliz.
***
Este
trabalho integra a antologia Contemporâneos 2018 que será lançada pela
Taba Cultural Editora entre dezembro/2017 e janeiro/2018.
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