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terça-feira, 15 de agosto de 2017

VINTE E QUATRO HORAS DE VIDA


                       por Lauro Trevisan     
                                  

O homem entrou no consultório.
- Então, doutor, qual é o diagnóstico?
- Um  dia  de  vida      respondeu   o    cirurgião, mecanicamente, como se estivesse dando receita culinária.
O homem arregalou os olhos e quase desabou.
- Exagero, doutor! - inconformou-se ele. – Que é que eu faço com  um dia de vida, me diga?!

- Faça o que  quiser.  Talvez um miojo. Não  tenho  como  mudar  o veredicto.
- O senhor endoideceu?!  Como  pode  falar  uma coisa dessas?! Está dizendo que amanhã, às dezoito horas, estarei vestindo paletó de madeira?! Pare com essa brincadeira de mau gosto. Se vivi até aqui, com certeza viverei ainda por muitos anos, muitos anos, ouviu bem?
- Se eu fosse você  -  ponderou  pausadamente  o médico, degustando um charuto cubano -  mediria a vida não em anos, mas em minutos.
- Doutor, o senhor já está  me  irritando.   Que  humor mais macabro!
O médico tomou os exames, abriu-os sobre a mesa e apontou com o indicador para uma mancha bem pronunciada, naquele mapa humano.
- Aqui.
- Aqui o quê? – inquietou-se o homem.
- A  bomba  que  vai  explodir  dentro  de vinte  e quatro horas.
O  paciente  coçou    nervosamente   a   cabeça   e vociferou:
- Não tem outra coisa para me dizer?
- Tenho: Meus pêsames!     arrematou   suavemente   o cirurgião.
O homem saiu do consultório com forte enjoo, que subia e descia desatinadamente pelas paredes do estômago.
Sentou num banco do shopping  para tomar ar e refletir sobre a vida: “Um dia. Apenas um dia. Nada mais que um dia. Logo comigo! Não podia ser com outra pessoa? Um bandido inútil? Um suicida? Pelo menos, um velhinho de cem anos de idade?! Por que eu?! E não é um ano. Nem mesmo um mês. Nem uma semaninha sequer! Um dia! Vinte e quatro horas! Se desse para transferir esse dia  lá para o final do ano 2.020, ainda vá. Mas, amanhã?! Às dezoito horas?! Em ponto ou mais ou menos? Eu, debaixo da terra?! Sem respirar?! Sem poder me mexer?! Não é possível! Tanto esforço na vida, tantas dificuldades, tantos anos sem férias, tantas brigas e separações, tanta luta para arrumar aquele dinheirinho da aposentadoria... e agora?! Faço o quê com tudo isso? Enfio onde?”
Aos poucos, o condenado foi acalmando a mente e, ao invés de afligir-se com o passado, entrou a indagar-se o que fazer com essas vinte e quatro horas, que já não eram mais vinte e quatro.
- O tempo, esse filho da mãe, por que não para? Se resolvesse, daria uma martelada nesses ponteiros  esquizofrênicos – irritou-se ele.
A primeira ideia que lhe ocorreu foi voar até seu escritório a fim de organizar as compras e pagamentos do dia. De repente, caiu em si e explodiu uma aturdida gargalhada nervosa. Sim, de que serviria ficar metido na papelada do escritório ou ir discutir com o vizinho a localização do muro, justo agora que só dispunha de algumas horas de vida? Fazer o quê? 
Olhou para o fatídico relógio e pensou  num jantar de primeira linha, com os pratos que sempre deixou para quando fosse mais rico, com aquele vinho de emocionar o estômago. Nem a sobremesa pouparia e tinha de ser exatamente aquela que lhe dava água na boca, mas que, por economia, renunciava. Em seguida, uma dança, claro, como prelibação do prazer. Mas, dançar com quem? E o prazer, com quem? Com a mulher dos seus sonhos, ora! E lhe diria tudo o que teve vontade de lhe dizer e não disse; e lhe pediria mil desculpas por não ter sido exatamente como deveria; e a abraçaria por todas as vezes que não a abraçou.
E o resto do tempo? Bem, o resto do tempo era tratar de ser feliz e feliz e feliz e feliz.
Então, uma reza para partir em paz com Deus e o mundo. Pois, foi exatamente antes do amém definitivo, que aconteceu o inusitado:
- Está bem    manifestou-se Deus -  vou revogar a sentença e desligar a bomba. Mas, não precisa esperar pelas últimas vinte e quatro horas para ser feliz e feliz e feliz.
  

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Este trabalho integra a antologia Contemporâneos 2018 que será lançada pela Taba Cultural Editora entre dezembro/2017 e janeiro/2018.
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